terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Renascendo


As luzes caíam como fleches em meus olhos, de relance conseguia ver paredes quase brancas, uma cortina ao meu lado e por milésimos de segundos sentir o toque de alguém em minha mão. Então meus olhos me traem se fechando para tudo lá fora.
***
Quando finalmente consigo dominar meus olhos, insistentes a se fecharem, um rosto desconhecido está me observando com o olhar fixo em meus olhos que devem estar arregalados pelo susto. O homem de toca e máscara branca está dizendo algo, falando devagar e com gestos, mas não consigo ouvir. Acho que os meus olhos não são os únicos desobedientes aqui. Estou tentando, mas é como se tivessem apertado o botão mudo da TV e não consigo mudar isso, a cada esforço que faço para me concentrar em seus lábios o homem vai sumindo e as paredes brancas também.
***
Uma, duas, três, gotas de água distantes pingando, como uma torneira mal fechada em uma pia. Talvez essa pia tivesse atrás da cortina que apareceu na minha frente, não sei quando e como foi parar aí, atrapalhando minha visão á um quadro de borrados pendurado na parede. Pelo menos sei que hoje, posso ouvir, meus ouvidos voltaram a serem meus servos. Mas esse “hoje” é tão vazio, não sei em que tempo se passa ele. O que sei é que meu pé está descoberto e com frio, não consigo ver nenhuma janela ou as paredes agora, porque há cortinas em minha volta, não consigo movimentar o meu pescoço, como se algo o mante-se assim imóvel, porém não é possível ver o que seria isso, pois não tenho nem a possibilidade de abaixar a minha cabeça. Meus pés nus são minha única segurança de que meu corpo pode estar inteiro. 
Espero impacientemente por alguém, qualquer pessoa, por que agora que posso ouvi-los ninguém vem me vê? Será que eu tenho alguém? Eu tenho? Espera meu nome é... Ah, vamos você consegue, meu nome é... Era só o que faltava, a minha cabeça não quer me obedecer.
― Senhorita Hilley, bom dia!― diz o mesmo homem que vi ontem, melhor da última vez que abri meus olhos, acho que ele não sabe que estou ouvindo. Meu nome é Hilley? Quem escolheu esse nome feio para mim?
― Hum, seus sinais vitais estão bons, pelo que vejo hoje você abriu os olhos, não é? ― Ele faz um sorriso estranho como se soubesse que eu não poderia responder a perguntar. Sim, ainda não sou capaz de comandar minha boca, tento só que ela pouco se abre e essa pequenina abertura me deixa muito cansada. Como posso me cansar de um ato tão ridículo? Quero apenas abrir minha boca e dizer que estou com fome, frio nos meus pés e que não gostei do meu nome.
― Senhorita, você tem olhos azuis muito lindos! Preciso me certificar se você está me ouvindo, então se gostou do meu elogio pisque uma vez os seus olhos, se não gostou pisque duas. ― Levo certo tempo para captar tudo que ele falou e me perco pensando se pisco uma vez ou duas ― se você não piscar vou entender que ainda não pode me ouvir. ― eu posso ouvir você! Só tenha um pouco de calma eu não lembro se os meus olhos são bonitos mesmo, tem como responder “não sei”? Ok. Já entendi só tenho duas opções.
Pisco para ele apenas uma vez. Ele me dá um sorriso mostrando que está satisfeito e diz “Por hora é isso senhorita, vou pedir ao Doutor para vim examiná-la melhor, descanse.” Ele está indo embora sem se quer me oferecer algo para comer ou dizer por que estou aqui. Como assim me dá um elogio e vai embora? “Descanse”? Ele sabe que quando fecho os olhos nunca sei por quanto tempo fiquei no escuro?
***
Em algum momento da minha raiva por aquele homem não ter se quer perguntado se eu estava me sentindo bem, se queria alguma coisa, eu apaguei. E de novo não sei por quanto tempo. Estou pelo menos agora sem a cortina na minha frente livre para ver o quadro de borrados e admirar a parede quase branca. Meu limite de visão é assim, a ponta dos meus pés, o quadro e parede. Estou arriscando fazer uma conexão profunda com o quadro, são três borrões de formas e cores diferentes deve ter algum sentido para colocarem um quadro sem sentido, no que parece ser um quarto de hospital. Na frente de uma paciente que se encontra bem confusa. Ah, é isso!!! Eu e o quadro somos iguais, estamos borrados por dentro, bagunçados, confusos, sem sentido. É eu devo estar muito confusa mesmo para me comparar a um quadro.
***
― Senhorita Hilley?!
― Hum. ― essa foi a minha resposta, na real minha resposta para tudo, esse é único som que consigo fazer.
― Sou o doutor Stevan, responsável pelo seu caso, um dos enfermeiros informou que a senhorita estava ouvindo e mexendo os olhos. Preciso que a senhorita fique ciente que tem que ir com calma, você foi encontrada com grave ferimentos e teve uma inflamação no seu cérebro tivemos que colocá-la em coma induzido, para o seu cérebro poder descansar. Pelo que percebo você ainda não consegue falar muito, mas está tudo bem, seus sentidos vão voltar aos poucos. Se você estiver precisando de algo é só apertar esse botão que tem na sua mão esquerda e o enfermeiro virá até você. Conversaremos mais tarde. ― diz ele com a maior calma, sorrindo de modo modesto para mim. Queria poder dizer que ainda estou com frio nos pés, que essa fome está me matando, que estou com dor de cabeça, que ele é um médico muito bonito, que não me lembro de nada que aconteceu, contudo eu só quero voltar pra casa, se eu tiver alguma.

Continua...

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